Publicação com participação de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz traz dados que avaliam a eficácia de dose de reforço, corroborando a importância do esquema vacinal mais adotado no Brasil
Uma das principais preocupações para a saúde pública após o advento das vacinas para o coronavírus pandêmico SARS-CoV-2 é a possibilidade de que as mutações acumuladas em algumas das variantes e linhagens do vírus permitam que estas mutantes escapem total ou parcialmente dos mecanismos da resposta imunológica estimulada pelas vacinas. Até o presente momento (junho de 2022), a variante Ômicron possui o maior número destas mutações em um dos genes mais relevantes para o mecanismo de invasão celular pelo vírus: um total de 47 mutações (ou mais, em algumas linhagens) no gene da glicoproteína Spike.
Após alguns estudos iniciais que sugerem um papel importante de esquemas de vacinação que incluam diferentes tecnologias — ou seja, estimulem de formas distintas o sistema imunológico — em uma resposta de anticorpos maior e mais duradoura contra o SARS-CoV-2, este esquema foi adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil. O acompanhamento da eficácia destes esquemas vacinais contra variantes de preocupação (VOC) como a ômicron é importante para confirmar se esta medida de saúde pública tem efeitos reais na proteção da população, e é neste acompanhamento que se foca a presente publicação com co autoria de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz.
Com base nos dados de 90 pessoas (todas profissionais da área de saúde, entre 18 e 62 anos), o estudo verificou o efeito do reforço com a vacina de mRNA BNT162b2 (Pfizer/BioNTech) após duas doses da CoronaVac (Sinovac) — o esquema vacinal de mais ampla aplicação no país — na produção de anticorpos com capacidade de neutralizar a Ômicron. Para isto, a equipe de pesquisadores utilizou-se de ensaios em cultura de células, nos quais células saudáveis são expostas a uma solução contendo o vírus pré-tratado com o soro dos pacientes, para verificar se este soro tem anticorpos com ação neutralizante efetiva (ou seja, capazes de impedir que o vírus infecte as células em cultura). Foram comparados os soros de pacientes após 30 dias da segunda dose da Coronavac, outro grupo após 60 dias, e um terceiro grupo, que teve o soro coletado 30 dias depois da dose de reforço.
Os resultados destes ensaios demonstram não apenas uma queda na capacidade de neutralização do soro de pacientes após 60 dias da vacinação sem reforço — de 16,6% dos soros de voluntários sendo capazes de neutralizar o vírus após 30 dias para 10% no grupo de 60 dias pós-vacinação — mas um aumento de resposta após a terceira dose com vacina de outra plataforma: o grupo que teve o soro coletado 30 dias após o reforço teve 76,6% das amostras de soro coletadas capazes de neutralizar o vírus. Além de uma maior taxa de respondentes, os ensaios também aumentaram a capacidade de cada respondente de neutralizar o vírus: comparando amostras de soro diluído, foi possível ver que a capacidade de neutralização do soro de voluntários no grupo pós-reforço foi 43 vezes maior do que a do soro de pessoas nos grupos pré-reforço vacinal.
O estudo, publicado em um dos mais relevantes periódicos científicos do mundo, contribui com mais evidências em favor do esquema de vacinação que combina a CoronaVac com doses de reforço da vacina BNT162b2.
Campos, G.R.F., Almeida, N.B.F., Filgueiras, P.S. et al. Booster dose of BNT162b2 after two doses of CoronaVac improves neutralization of SARS-CoV-2 Omicron variant. Commun Med 2, 76 (2022).