Membros da Rede Genômica Fiocruz publicam investigação de genes de resistência a antibióticos em efluentes urbanos
Genes de resistência a antibióticos são um crescente problema para a saúde coletiva. Isto por se tratarem de mecanismos que algumas espécies de bactérias causadoras de doenças apresentam, e que permitem sua sobrevivência a tratamentos com um ou mais antibacterianos de uso médico. Sabendo que algumas destas bactérias transmitem entre si genes importantes para sua adaptação e sobrevivência, o monitoramento da circulação destes genes no ambiente é importante para desenvolver estratégias para diminuir o espalhamento destes genes no ambiente — em especial no que diz respeito à circulação de genes de resistência em ambientes de alto risco à saúde, como hospitais, creches, escolas e casas de repouso.
Contribuindo para o conhecimento acerca desta problemática no Brasil, um grupo de pesquisadores, vinculados à Rede Genômica Fiocruz, publicaram um artigo no qual relatam os resultados de uma busca por genes de resistência em bactérias do gênero Enterococcus, em especial a espécie Enterococcus faecium em amostras de cinco estações de tratamento de efluentes localizadas na cidade do Rio de Janeiro e em Brasília. Os pesquisadores coletaram amostras de efluente tratado e algumas de esgoto bruto, e cultivaram um concentrado de cada amostra em meio de cultura com adição do antibiótico vancomicina, de maneira a buscar Enterococcus resistentes a este antimicrobiano, resistência esta que pode ou não ocorrer junto a genes que protegem as bactérias da ação de outros medicamentos. As bactérias do gênero Enterococcus são parte da microbiota adaptada ao intestino de seres humanos e outros animais, mas também podem causar infecções, tanto intestinais quanto urinárias em indivíduos saudáveis, além de infecções hospitalares em pacientes de risco por baixa imunidade.
Após isolar 8 amostras diferentes de Enterococcus faecium resistentes à vancomicina, a equipe de pesquisa realizou o sequenciamento do genoma completo das bactérias para identificar genes de resistência, e também entender se estes genes estavam ou não associados a estruturas dos chamados elementos genéticos móveis, como os chamados plasmídeos e os transposons conjugativos. Estes elementos são importantes por serem um dos principais mecanismos de transferência de genes entre linhagens distintas de bactérias, um fenômeno bastante comum entre as bactérias do gênero Enterococcus.
A análise dos genomas completos revelou que todas as oito linhagens resistentes à vancomicina tinham também genes de resistência a outros antibióticos, o que é particularmente alarmante ao se levar em conta que cinco destas linhagens foram isoladas a partir de efluentes tratados. É também importante notar que sete dos oito isolados tinham também genes que sugerem a capacidade de causarem doenças em seres humanos, ou seja, além de terem genes de resistência e a capacidade de transmiti-los a linhagens não-resistentes, estas amostras liberadas em corpos d’água após tratamento são também patógenos em potencial, com seis destas pertencendo a uma linhagem que já causou surtos hospitalares no passado, a CC17. Isto significa que há necessidade de revisar os métodos de tratamento de efluentes adotados no Brasil, para impedir que esta seja uma das vias que mantêm a circulação não apenas de múltiplos genes de resistência a antibióticos no ambiente, mas também de bactérias com potencial para causar infecções de difícil tratamento.
Farias, B. O. D., Bianco, K., Nascimento, A. P. A., Gonçalves de Brito, A. S., Moreira, T. C., & Clementino, M. M. (2022). Genomic analysis of multidrug-resistant Enterococcus faecium harboring vanA gene from Wastewater Treatment plants. Microbial Drug Resistance, 28(4), 444-452.