Artigo com colaboração da Rede Genômica aborda o cenário de reinfecções pelo SARS-CoV-2 no Brasil entre 2020 e 2022
A manutenção de práticas de vigilância genômica e epidemiológica por longos períodos de tempo, monitorando eventos como a pandemia da COVID-19, é importante para se acompanhar uma série de questões relevantes para o público e para os sistemas de saúde. Por exemplo, ao rastrear casos ao longo do tempo, é possível comparar diferentes variantes do vírus no que diz respeito a seu espalhamento, à capacidade de causar reinfecções, e as regiões em maior risco de transmissão comunitária de cada variante. Esta vigilância continuada também fornece indícios para entender o efeito protetivo da vacinação, da imunidade por infecção prévia e da imunidade híbrida — que resulta da combinação entre passar por uma infecção ativa e também receber o imunizante — frente a estas variantes, já que diferentes Variantes de Preocupação (VOCs) têm potenciais diferentes de escapar da resposta imune e causar reinfecções.
Um artigo publicado por um time de pesquisa que inclui membros da Rede Genômica Fiocruz acompanhou um total de 684 pessoas, consistindo em pacientes com casos confirmados de SARS-CoV-2 e seus familiares, com coletas trimestrais de swabs de orofaringe entre abril de 2020 e junho de 2022, na tentativa de entender questões como as descritas acima e obter respostas sobre a dinâmica de vacinação e infecções por VOCs na cidade do Rio de Janeiro. De 99 eventos de reinfecção investigados, 71 tiveram o sequenciamento e identificação das duas amostras (da primeira e da segunda infecções).
A análise destes casos permitiu comparar o cenário antes da emergência da Ômicron com o que ocorreu depois do surgimento e chegada desta VOC. As linhagens que circularam antes da emergência da Ômicron, por seu número menor de mutações no sítio de ligação aos receptores da proteína Spike, tiveram uma menor taxa de reinfecção, mesmo em relação a pessoas que haviam recebido apenas uma dose da vacina. Em contraste a isso, linhagens da VOC Ômicron, como a BA.1, BA.2, BA.4 e BA.5, foram capazes de causar reinfecções mesmo em pessoas que haviam tomado uma dose de reforço, para além do esquema vacinal completo. A maioria destes eventos de reinfecção foram assintomáticos (equivalente a 29 em cada 100 casos) ou com sintomas muito leves (equivalente a 67 em cada 100 casos), o que indica que a proteção fornecida pelas vacinas foi eficaz na prevenção de casos graves e óbitos. O estudo traz evidências iniciais consistentes com outras pesquisas, que indicam que a BA.2 é capaz de escapar mesmo dos anticorpos gerados contra a BA.1. Esse achado faz sentido, porque, apesar de serem linhagens geneticamente próximas, a estrutura da proteína Spike da BA.2 tem uma série de diferenças em relação à estrutura da Spike da BA.1.
Os achados deste estudo reforçam a importância da atualização de esquemas vacinais (por exemplo, contendo linhagens novas como a Ômicron BA.2) para garantir proteção contra uma ampla diversidade de variantes e suas diferentes proteínas S, além da importância da vigilância genômica continuada, de forma a identificar de maneira ágil a emergência de outras variantes com alto potencial de escape imunológico.
Penetra, S. L., Santos, H. F., Cristina Resende, P., Soares Bastos, L., da Silva, M. F., Pina-Costa, A., … & Brasil, P. (2023). SARS-CoV-2 reinfection cases in a household-based prospective cohort in Rio de Janeiro. The Journal of Infectious Diseases, jiad336.