Trabalho científico preliminar da Rede Genômica Fiocruz discute a prevalência da variante Delta no Amazonas, onde ela substituiu outras variantes como a Gama e a Mu
O princípio do ano de 2021 viu a situação da pandemia de COVID-19 se agravar no Brasil. Em especial, no estado do Amazonas, o avanço da pandemia teve dominância característica da Variante de Preocupação (VOC) Gama, também conhecida como P.1. Mais recentemente, conforme apontado por pesquisas conduzidas pela Rede Genômica Fiocruz (pre-print), variantes derivadas da Gama continuaram a se espalhar e acumular novas mutações — incluindo alterações na Glicoproteína Spike com possível efeito de potencialização do contágio, como deleções no domínio N-Terminal (NTD; associadas à evasão da ação de anticorpos e à capacidade de causar reinfecção ou escape vacinal) ou alterações estruturais na junção S1/S2 (associadas a uma invasão celular mais eficiente). A estas variantes da Linhagem P.1 deu-se o nome de Gama+, e sua transmissão no estado do Amazonas e eventual espalhamento para outros estados foi objeto de preocupação de especialistas e autoridades.
Com a chegada ao Brasil de outra VOC, a Delta (B.1.617.2, inicialmente detectada na Península Índica), paralelamente à preocupação com o estabelecimento e dominância das amostras derivadas da VOC Gama, corria também a hipótese de que o espalhamento e a dominância das mesmas no cenário epidemiológico fosse o bastante para frear o espalhamento da Delta.
No presente post, publicado no fórum de especialistas em virologia Virological.Org, pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz relatam os resultados da análise de 1132 genomas completos de SARS-CoV-2 isolados de amostras clínicas de pacientes, coletadas entre 1º de Julho e 15 de Outubro de 2021 — amostragem correspondente a 4,5% dos casos confirmados no estado para o período. A vigilância genômica permitiu observar uma queda abrupta na prevalência de amostras da VOC Gama e Gama+, assim como um aumento na prevalência da VOC Delta, que passou de 1% da totalidade de amostras em Julho para 89% em Outubro. Durante este período, ocorreu também a introdução da VOI Mu (B.1.621, inicialmente detectada na Colômbia) no estado, embora esta tenha permanecido com uma baixa prevalência de acordo com a amostragem da Rede (menos de 1% das amostras entre Agosto e Setembro, e não detectada em Outubro). É importante notar que o espalhamento da VOC Delta ocorreu em um período no qual o número total de casos no Amazonas decresceu, provavelmente devido à combinação das barreiras imunológicas naturais e vacinais (barreira imunológica híbrida).
Ainda assim, os resultados indicam que a VOC Delta teve a capacidade de substituir, por competição ecológica, as variantes Gama, Gama+ e Mu no estado do Amazonas, mesmo levando em conta que esta Unidade Federativa corresponde a uma das localidades do mundo com uma das maiores barreiras imunológicas híbridas.
Naveca, F. G., Nascimento, V., Souza, V., Corado, A. L., Nascimento, F., Mejía, M., Brandão, M. J., Silva, A. V., Benzaken, A. S., Silva, G., Gonçalves, L., Luz, S. L. B., Cortés, J. J. C., Nieto, J. C. G., Vesga, K. N. R., Fernandes, C., Amorim, T., Mattos, T., Abdalla, L., Santos, J. H., Wallau, G. L., Delatorre, E., Arantes, I., Siqueira, M. M., Resende, P. C., Gräf, T. & Bello, G. The SARS-CoV-2 variant Delta displaced the variants Gamma and Gamma plus in Amazonas, Brazil