Pesquisa pioneira dá os primeiros passos para desvendar vírus que circulam entre mosquitos silvestres
A transmissão de vírus pela picada de mosquitos é um fato conhecido tanto pela ciência quanto pela sociedade de maneira geral. Doenças tropicais importantes como a Dengue, a Febre Amarela, Zika, Chikungunya e Oropouche são algumas das arboviroses conhecidas e monitoradas por iniciativas de vigilância epidemiológica e genômica. Mas, para além destes vírus conhecidos, o monitoramento de outros possíveis agentes virais que circulam entre espécies de mosquitos é um ângulo importante de pesquisa, sejam estes arbovírus com potencial para se adaptar à espécie humana ou não. Em especial, conhecer os vírus que circulam entre mosquitos de meio silvestre — ou seja, aqueles insetos que não estão tão bem adaptados ao meio urbano mas, ainda assim, podem picar pessoas e animais de criação eventualmente — é um objetivo de pesquisa ainda pouco explorado e importante tanto do ponto de vista da ciência básica quanto da saúde coletiva e de potenciais aplicações futuras.
O artigo ao qual este resumo se refere é resultado de uma pesquisa exploratória que visava sequenciar e fazer análises iniciais do genoma de vírus que circulam entre 10 espécies de mosquitos silvestres. Para isso, o grupo de pesquisa utilizou uma abordagem conhecida como “metatranscriptômica viral”, que consiste em sequenciar o RNA total das amostras e identificar todos os RNAs de vírus que estão ativamente sendo expressos e/ou replicados nas células dos mosquitos. Através deste método, que alia o sequenciamento de nova geração ao uso de computadores (com ferramentas de bioinformática que permitem a identificação e caracterização dos genomas virais), a equipe que assina o artigo conseguiu identificar uma grande diversidade de vírus, totalizando pelo menos 34 novas espécies de vírus distribuídas em 16 famílias virais. O conjunto de vírus foi agrupado em um número tão grande de prováveis espécies principalmente devido a divergências em genes importantes, como aqueles envolvidos na replicação do RNA viral.
A análise dos genomas permitiu ainda que 14 destas famílias fossem classificadas como provavelmente pertencentes aos Vírus Específicos de Insetos, ou seja, vírus que não têm registro de circulação em pessoas ou outros vertebrados, sendo aparentemente transmitidos somente entre insetos. Outro achado importante é que, além de terem grande diversidade e divergência, estes vírus parecem estar especializados em uma pequena diversidade de hospedeiros. Isto porque nenhuma das espécies virais propostas foi encontrada em mais de uma espécie de mosquitos, e apenas uma delas tinha similaridades a outra espécie viral anteriormente identificada pela ciência: uma espécie de vírus detectada uma única vez até o momento, em um mosquito coletado no Peru. Este artigo é um importante lembrete do quão pouco estudada é a diversidade viral que circula entre mosquitos silvestres.
da Silva, A. F., Machado, L. C., da Silva, L. M. I., Dezordi, F. Z., & Wallau, G. L. (2024). Highly divergent and diverse viral community infecting sylvatic mosquitoes from Northeast Brazil. Journal of Virology, e00083-24.
DOI: 10.1128/jvi.00083-24