Estudo com participação da Rede Genômica Fiocruz acompanha famílias em comunidade vulnerável para entender como a COVID-19 as afeta e como melhor prestar suporte na pandemia
Em países como o Brasil, onde a desigualdade socioeconômica é grande, resultando em possibilidades muito distintas no que diz respeito a habitação, rotinas de trabalho e acesso à saúde, um dos compromissos da comunidade científica é o de compreender como reduzir os potenciais riscos que as camadas mais vulneráveis enfrentam e garantir a estas pessoas e famílias a maior qualidade de vida possível. Frente a uma pandemia como a do SARS-CoV-2, entender como o vírus circula em famílias nesta condição socioeconômica, especialmente frente à impossibilidade de ficar em casa devido à necessidade de trabalhar presencialmente, que se apresenta a muitos dos membros de famílias de baixa-renda, é importante para desenhar políticas públicas de forma a proteger suas vidas.
Compreender a dinâmica do vírus em famílias residentes da favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, foi o objetivo primário de um estudo publicado com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz. Para melhor entender como o vírus circulava entre famílias residentes na região, o time de pesquisa acompanhou 259 famílias, inscritas no estudo a partir de uma testagem ampla para detecção do SARS-CoV-2 em crianças atendidas pelos serviços de atenção primária em saúde. Ao todo, foram testadas 667 pessoas, incluindo 323 crianças, 54 adolescentes e 290 adultos, com novos testes após 1, 2 e 4 semanas, além de testes trimestrais posteriores.
As conclusões do estudo são de que as crianças tendem a ser contaminadas pelos adultos da família, e não o contrário. Das 323 crianças monitoradas, 45 (ou 13,9%) tiveram testes positivos ao longo do período do estudo. A infecção foi mais frequente em crianças com menos de um ano de idade (25% ou um quarto dos casos positivos) e, em segundo lugar, aquelas entre 11 e 13 anos de idade (21%). Nenhuma criança teve sintomas graves da COVID-19. Um ponto de atenção é que, entre aquelas que tiveram sintomas, ainda que leves, estava principalmente o grupo com mais de 14 anos (adolescentes), sugerindo que este grupo está em maior risco de desenvolver sintomas. Corroborando a hipótese de que as crianças não são fonte primária de infecção pelo vírus em suas famílias, todas as 45 que tiveram resultado positivo estiveram em contato próximo com algum membro adulto da família anteriormente, sugerindo que as pessoas mais velhas são o principal grupo de risco para contrair e espalhar o vírus para suas famílias.
Estas conclusões iniciais permitem pensar em estratégias para a proteção contra o contágio em famílias em situação socioeconômica análoga, com atenção para os grupos de adolescentes e adultos, que parecem ser mais sensíveis à infecção, com desenvolvimento de sintomas e posterior contágio de crianças e outros membros da família.
Lugon P, Fuller T, Damasceno L, Calvet G, Resende PC, Matos AR, Machado Fumian T, Malta FC, Salgado AD, Fernandes FCM, Abreu de Carvalho LM, Guaraldo L, Bastos L, Cruz OG, Whitworth J, Smith C, Nielsen-Saines K, Siqueira M, Carvalho MS, Brasil P. SARS-CoV-2 Infection Dynamics in Children and Household Contacts in a Slum in Rio de Janeiro.