Pesquisa de membros da Rede Genômica Fiocruz avalia a presença de poluentes, incluindo antibióticos e genes de resistência na água do Rio de Janeiro
Antibióticos são contaminantes ambiental particularmente preocupante no mundo atual, especialmente em corpos d’água e reservatórios que abastecem a população. Isto porque muitos dos efluentes de atividades humanas — sejam de casas, hospitais, indústria farmacêutica ou da pecuária e aquicultura — são fontes destas moléculas, mantendo-as circulando no ambiente, ainda que em pequenas concentrações. Esta exposição continuada a antimicrobianos cria um cenário em que bactérias que carregam genes de resistência em seus genomas sejam selecionadas evolutivamente, um problema ainda maior quando se leva em conta que a evolução bacteriana é marcada por mecanismos de transferência horizontal de genes, o que equivale a dizer que bactérias “trocam” pedaços de seus genomas, podendo algumas linhagens sensíveis a um antibiótico receber genes que codificam mecanismos de resistência.
O trabalho de pesquisa aqui resumido, publicado na Scientific Reports do grupo Nature, avaliou a contaminação por antibióticos e metais, além da presença de genes de resistência a antibióticos nas duas principais bacias hidrográficas do Rio de Janeiro e região (Guandu e São João), assim como em água da torneira no município do Rio de Janeiro, para entender o quão eficazes estão sendo os protocolos de tratamento de efluentes adotados e o quanto estes efluentes contribuem para o problema de saúde pública que é a disseminação de mecanismos de resistência em populações bacterianas.
Após a coleta e a caracterização dos antibióticos mais comuns nas amostras de água — que identificou a presença de concentrações relevantes de claritromicina, sulfametoxazol e azitromicina — a equipe de pesquisa realizou uma caracterização das comunidades de bactérias presentes na água, através da abordagem de metagenômica, que envolve o sequenciamento do material genético presente na amostra ambiental sem alvos específicos, justamente para descobrir a composição de uma amostra desconhecida. Esta busca permitiu identificar a prevalência do filo Proteobacteria, nas bacias hidrográficas, assim como de genes de resistência a antibióticos tanto na bacia do Guandu (4881 genes), quanto na bacia do São João (3705 genes) e na água da rede de abastecimento do município (3385 genes).
A detecção de vários tipos de genes de resistência é preocupante, especialmente por terem sido encontrados tanto nas bacias hidrográficas quanto na água utilizada em casas e em ambientes hospitalares. Foram detectados em águas, das três origens, genes codificando para resistência a antibióticos da classe dos beta-lactâmicos, bem como a colistina, com alguns dos genes de resistência a este último antibiótico sendo detectados pela primeira vez no Brasil. O artigo reforça a importância de revisar os protocolos adotados para descontaminação de efluentes, de modo a mitigar o problema do espalhamento de genes de resistência a antimicrobianos no ambiente — com grande potencial de agravamento de crises sanitárias como surtos hospitalares de bactérias resistentes aos tratamentos disponíveis.
Bianco, K., de Farias, B. O., Gonçalves-Brito, A. S., Alves do Nascimento, A. P., Magaldi, M., Montenegro, K., … & Clementino, M. M. (2022). Mobile resistome of microbial communities and antimicrobial residues from drinking water supply systems in Rio de Janeiro, Brazil. Scientific Reports, 12(1), 19050.