Pesquisadores afiliados à Rede Genômica investigam a presença de bactérias multirresistentes da espécie Klebsiella pneumoniae em estações de tratamento de efluentes
Dentre as bactérias intestinais da família das Enterobactérias, a espécie Klebsiella pneumoniae tem sido uma preocupação de saúde coletiva devido à sua capacidade de causar as chamadas infecções nosocomiais. Este tipo de infecção ocorre em ambientes de cuidado com pacientes de maior risco, como em hospitais, creches e casas de repouso, e são um problema por se concentrarem em populações com sistemas imunológicos imaturos ou debilitados, e por muitas vezes serem causados por linhagens bacterianas resistentes a antimicrobianos.
No caso da Klebsiella pneumoniae, linhagens resistentes a antibióticos da classe dos carbapenêmicos — que são antibióticos de amplo espectro, normalmente eficazes contra uma ampla diversidade de gêneros de bactérias — têm sido alvo de vigilância e da reformulação de políticas de contenção de risco, por causarem um número crescente de surtos de infecções nosocomiais. O artigo aqui resumido, publicado por cientistas da Rede Genômica Fiocruz de grupos do Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e a Rede de Monitoramento de COVID-19 em Águas Residuais do MCTI, trata da relevância de sistemas de tratamento de efluentes para a disseminação de linhagens de Klebsiella pneumoniae resistentes a carbapenêmicos (CRKP) e de seus genes de resistência, uma vez que a literatura científica já tem demonstrado a falha de sistemas de tratamento em eliminar estas bactérias antes da liberação dos efluentes tratados em corpos d’água.
Para entender o quanto esta questão é relevante no contexto brasileiro, permitindo a circulação ambiental destas bactérias de potencial risco à saúde pública, a equipe de pesquisa avaliou amostras de três estações de tratamento de águas residuais, que lidam com efluentes domésticos, industriais e mistos. Utilizando métodos baseados na identificação de perfis de proteínas para detectar a presença específica de Klebsiella pneumoniae, os pesquisadores testaram a susceptibilidade dos isolados a uma série de antibióticos, além de realizar a extração, análise e sequenciamento de alguns trechos de DNA que continham genes de resistência conhecidos. Por fim, através de uma técnica baseada na comparação de “tipagens” de sequências múltiplas de DNA, as equipes conseguiram caracterizar filogeneticamente as linhagens, para entender as relações de parentesco entre as bactérias e, a partir disto, compreender as dinâmicas do espalhamento dos genes de resistência nas regiões atendidas pelas estações de tratamento.
O estudo permitiu constatar que 39% (7 do total de 18) dos isolados eram resistentes a múltiplos antimicrobianos, enquanto 61,1% (11 dos 18) eram extensivamente resistentes — o que, segundo os critérios adotados no estudo, equivale a dizer que estas linhagens eram resistentes a todos os antibióticos testados exceto por uma ou duas classes — e mais de 83% (15 dos 18) tinham a enzima carbapenemase, capaz de inativar antibióticos da classe dos carbapenêmicos. Com as análises genéticas e filogenéticas, foi possível caracterizar três genes diferentes para carbapenemases, e classificar as amostras em 5 grupos de acordo com a tipagem de sequências. Alguns destes grupos já haviam sido identificados antes, tanto no contexto de surtos de infecções nosocomiais quanto em amostras ambientais.
O artigo mostra a importância de renovar os métodos e tecnologias utilizadas no tratamento de efluentes para reduzir a circulação de bactérias como a K. pneumoniae no ambiente, assim como dos genes de resistência que algumas linhagens deste microrganismo carregam.
Montenegro, K., Flores, C., Nascimento, A. P. A., Farias, B. O., Brito, A. S. G., Magaldi, M., … & Barrocas, P. (2023). Occurrence of Klebsiella pneumoniae ST244 and ST11 extensively drug-resistant producing KPC, NDM, OXA-370 in wastewater, Brazil. Journal of Applied Microbiology, 134(7), lxad130.