Trabalho pioneiro com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz estuda o genoma e possíveis repercussões de recombinantes do SARS-CoV-2
O ano de 2022 trouxe à comunidade científica e à população em geral uma nova preocupação, no que diz respeito à pandemia de COVID-19: trabalhos de vigilância genômica começavam a detectar genomas que pareciam ser mesclas do genoma de duas ou mais variantes do SARS-CoV-2. Após a confirmação de que alguns destes casos realmente se tratavam das chamadas “recombinantes”, fruto de processos de quebra e recombinação do genoma de mais de uma variante infectando um mesmo paciente, a comunidade científica começou a estudar estas variantes quanto à sua relevância epidemiológica e as características que se apresentavam devido à combinação de trechos do genoma de variantes com histórias evolutivas distintas. Uma questão importante era a possibilidade de estas recombinantes serem melhor-sucedidas em se espalhar ou em causar reinfecções do que suas variantes parentais, o que poderia levar a uma dominância de recombinantes no cenário epidemiológico mundial.
O trabalho de pesquisa aqui resumido foca-se no estudo do genoma de uma recombinante “Deltacron”, proveniente de um evento de recombinação ocorrido no Sul do Brasil, em uma iniciativa pioneira de caracterizar o genoma da variante e tentar reconstituir os eventos que levaram a seu surgimento, além de discutir hipóteses sobre a relevância de recombinantes similares para o futuro da pandemia de COVID-19. O artigo aponta que a recombinante, denominada AYBA-RS, é provavelmente fruto da recombinação da linhagem AY.101 (Delta) com a BA.1.1 (Ômicron), com o ponto de quebra — onde os fragmentos de genoma de ambas as variantes foram “ligados” — sendo no início do gene que codifica a proteína Spike. Análises de genômica evolutiva indicam que a nova linhagem emergiu em Dezembro de 2021 após um único evento de recombinação.
O artigo argumenta que o baixo número de amostras da AYBA-RS no banco de dados do GISAID sugere que ela se espalhou pouco na população, indicando que esta recombinante não teve um aumento no sucesso de transmissão em relação a outras linhagens do SARS-CoV-2. Porém, a possibilidade de que outros eventos de recombinação resultem em linhagens de maior sucesso evolutivo — com maior relevância epidemiológica — é um argumento em favor de manter uma vigilância genômica constante e continuada, especialmente devido à circulação de múltiplas variantes do vírus globalmente, que podem coocorrer em uma ou mais localidades devido ao tráfego de pessoas e, eventualmente, coinfectar pacientes, abrindo espaço para eventos de recombinação como o que resultou na emergência da AYBA-RS.
Sant’Anna, F. H., Finger Andreis, T., Salvato, R. S., Muterle Varela, A. P., Comerlato, J., Gregianini, T. S., Barcellos, R. B., Godinho, F. M. S., Resende, P. C., Wallau, G. L., Castro, T. R., … & Wendland, E. (2023). Incipient parallel evolution of SARS-CoV-2 Deltacron variant in South Brazil. Vaccines, 11(2), 212.