Um vírus, um estado, dinâmicas diversas: como diferentes variantes do SARS-CoV-2 se comportaram no Amazonas
O cenário do coronavírus causador da COVID-19 no estado do Amazonas foi o de uma calamidade da saúde pública, onde o avanço de casos e óbitos foi o mais rápido de todos os estados brasileiros. O estudo de cenários epidemiológicos como este, quando possíveis, permitem entender como diferentes linhagens do vírus se espalham e se tornam dominantes, assim como o papel de imunizações e medidas não-farmacológicas para traçar estratégias e evitar que tragédias similares voltem a ocorrer no futuro.
Um artigo com participação de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz e publicado entre os destaques de Saúde Pública periódico Nature Communications, uma das publicações científicas de maior prestígio global, centrou-se no cenário amazonense para entender como diferentes linhagens de Variantes de Preocupação (VOCs) circularam na região, e o papel que a chamada “imunidade híbrida” — ou seja, uma combinação da imunidade adquirida em função do contato com o vírus com aquela estimulada pela vacinação — teve na contenção deste avanço. O artigo, produzido com base em sequências de genoma completo de alta qualidade de 4.218 amostras clínicas de pacientes coletadas entre Julho de 2021 e Janeiro de 2022, investigou se houve diferenças na maneira como cada nova VOC se espalhou no Amazonas, focando-se também na dinâmica de substituição entre as variantes.
A análise dos padrões temporais revelou que a substituição da variante Gama pela Delta aconteceu de forma gradual, enquanto a variante Ômicron substituiu a Delta de maneira muito mais rápida. A variante Gama foi a mais prevalente desde antes de Julho de 2021 até o meio de Setembro de 2021, correspondendo a mais de 50% dos genomas da região neste período. Esta VOC foi detectada pela última vez no AM em Novembro daquele ano, tendo sido suplantada pela VOC Delta, que circulava na região desde Julho, levando aproximadamente 70 dias para tornar-se a mais prevalente no estado, tornando-se dominante (mais de 90% dos genomas sequenciados) de 30 a 40 dias depois deste marco (total de 100 a 110 dias). Em comparação, a VOC Ômicron BA.1 foi detectada pela primeira vez no final de dezembro de 2021, e em menos de duas semanas já representava mais de 90% dos genomas sequenciados. Adicionalmente, enquanto a substituição gradual da Gama pela Delta não foi associada a um aumento no número de casos, o rápido espalhamento da Ômicron BA.1 ocorreu junto a uma rápida ascensão nos números de casos no AM.
Os achados do artigo são consistentes com a hipótese de que linhagens do SARS-CoV-2 que têm mutações associadas a um escape da resposta imunológica como a Ômicron tendem a se espalhar de forma mais rápida e causar um maior número de reinfecções do que aquelas que possuem apenas uma maior transmissibilidade intrínseca, sem a presença de um grande número mutações adicionais associadas ao escape imune (como foi o caso da Delta). O artigo também mapeou quais foram as principais rotas de entrada e espalhamento das diferentes linhagens virais no estado, mostrando que a região metropolitana de Manaus foi a principal via de disseminação regional do vírus, tanto no caso da Delta quanto da Ômicron. Outro achado importante é o de que a imunidade híbrida no estado (e possivelmente no país como um todo) foi um fator importante em impedir que a chegada da VOC Delta viesse acompanhada de um aumento no número de casos, conforme observado em países com menores taxas de imunização. Adicionalmente, apesar de não ter conseguido impedir o rápido espalhamento da Ômicron, e o aumento concomitante no número de casos, a imunização híbrida foi um provável fator importante para que este alto número de casos não tenha resultado em um alto número de óbitos pela doença.
Arantes, Ighor, et al. “Comparative epidemic expansion of SARS-CoV-2 variants Delta and Omicron in the Brazilian State of Amazonas.” Nature Communications 14.1 (2023): 2048.